sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A FUGA DAS GALINHAS E A ALEGORIA DA CAVERNA





Por João Florindo B. Segundo


A Fuga das Galinhas (Chicken Run, 2000) é uma animação do gênero stop motion, uma coprodução anglo-americana, dirigida por Peter Lord e Nick Park.

Aparentemente um mero desenho, o filme a fuga das galinhas tem um conteúdo filosófico a nos convidar à reflexão, pois se debruça sobre a alienação e outros temas palpitantes.

Em uma granja dedicada à criação de galinhas na Inglaterra, as pobres aves são obrigadas a atingir uma quota de produção de ovos, caso contrário se tornarão recheio de torta. Ginger, uma delas, procura desesperadamente uma maneira de fugir e viver em liberdade.

Após várias tentativas frustradas, repentinamente surge Rocky, um “galo voador” (na verdade lançado por um canhão) que cai no galinheiro, dizendo ser habitante da ‘terra da liberdade” (Estados Unidos), mas que na verdade vive em situação análoga à das galinhas, porém em um circo, ou seja, é tão subjugado por um sistema quanto elas. Ele promete ensiná-las a voar, sem sucesso.

Entrementes, a família Tweedy, proprietária da granja, decide que produzir tortas de galinha pode ser um negócio muito mais rentável do que vender ovos e adquire uma máquina capaz de fabricá-las em grande velocidade, aproximando-se assim o fim de todas as aves do lugar, a menos que a fuga se dê urgentemente.

Ginger se revoltou ao ver uma de suas amigas virar torta porque não botou nenhum ovo; ela decide então auxiliar todas a fugirem.

Numa reunião, Ginger a duras custas de argumentação, consegue convencer as amigas de que fora da granja não há cercas, mas sim, liberdade. As galinhas tentam fugir, mas as tentativas não obtêm sucesso, porque muitas têm medo de serem pegas e mortas por tentar fugir, ou de caírem nos dentes dos cães que vigiam a granja. Finalmente, elas fazem um avião e conseguem fugir.

Comparando o filme com a alegoria platônica da caverna, podemos dizer que o galinheiro é aquele lugar, onde as galinhas são prisioneiras desde a tenra infância e não sabem da existência do mundo exterior a ele. Todavia, a existência na caverna platônica do ponto de vista do mundo sensível é cômoda, ao passo que no galinheiro a expectativa da morte causa constante inquietação nas galinhas, o que poderíamos relacionar com a reminiscência do mundo inteligível que assalta muitos dos homens (em níveis diferentes, conforme os goles de Lete).

Note-se que mesmo com a insistência de Ginger e a chegada de Rocky, ainda havia galinhas que se negavam a acreditar numa vida em liberdade além das cercas do galinheiro, as quais funcionavam tais quais as correntes que aprisionam os homens da caverna. As cercas as alienavam, pois as faziam pensar a realidade exterior semelhante à vida na granja, assim como os prisioneiros da caverna pensam que as imagens (sombras) que vêm no interior da caverna constituem a realidade exterior.

Na alegoria platônica, o prisioneiro que se liberta, após tomar conhecimento da vida no mundo exterior, volta para libertar os demais, mas é morto porque os prisioneiros não acreditaram no que ele lhes disse sobre a realidade, uma metáfora para o mundo das ideias.

No filme Ginger é esse prisioneiro, ao qual podemos chamar de filósofo, pois se libertou do pensar tradicional e se atirou em busca da verdade, inclusive consultando a outros (como o galo Rocky, tal qual o pensador faz ao estudar outros buscadores do conhecimento).

E assim como o filósofo, além de buscar as respostas concretas para as coisas, Ginger não se contentou em alcançar a verdade e guardá-la para si: ela resolveu compartilhá-la e convidar as outras a fazerem a experiência literal da fuga. Ginger tentou e conseguiu mostrar-lhes que as mais alienantes cercas não estavam no galinheiro e sim em suas mentes e seu poder de persuasão (argumento) foi essencial para alcançarem a liberdade (diferentemente da alegoria, Ginger não foi morta pelas companheiras).

Pelo exposto, fica evidente o convite à filosofia que é “A fuga das galinhas”, pois rotineiramente os indivíduos se acomodam à aparente realidade (granja) que os cerca e admitem como verdade as respostas prontas que lhes são impostas pelos detentores dos poderes (pois não há apenas o poder político).

A alegoria de Platão torna claro também que nem sempre o filósofo e sua mensagem serão bem recebidos, mas que o amante da sabedoria só pode ser reconhecido como tal quando se lança à luta para transmitir o que aprendeu aos demais, pois se a verdade não for compartilhada, ele não será um agente transformador da sociedade e o mundo à sua volta permanecerá sob o domínio do status quo. É uma dura missão e ainda que não colha os frutos em vida, pode ele dizer que não viveu em vão.


REFERÊNCIA:

PETER, Lord; PARK, Nick. A Fuga das galinhas. Produção: Peter Lord, Nick Park e David Sproxton, direção de Tim Farrington. Reino Unido, 2000. DVD, 84 min. cor.