domingo, 19 de julho de 2015

MARIA PROFETISA



Por Peter Bindon, FRC*


Alguns dos atuais comentadores dos textos alquímicos antigos dividem as obras existentes em dois grupos. De um lado os livros escritos pelos alquimistas simbolistas, filósofos da natureza, interessados e motivados pelas maravilhas do Universo. Por outro estariam os trabalhos daqueles a que jocosamente denominam de “sopradores” e que buscavam transformar os metais vis em ouro. Este último grupo somente se interessava pela obtenção de uma riqueza material, enquanto que os primeiros desejavam adquirir a compreensão de seu lugar dentro da criação. Isto também ocorre nos nossos dias. Há quem busque compreender a complexidade da vida no mundo material enquanto continuam progredindo em sua evolução espiritual e mística; seu primeiro objetivo é dispor das coisas em quantidade justa e suficiente e sentir-se satisfeitos com o que são. Outros só valorizam a prosperidade e a satisfação em termos de riquezas materiais.

Posto que existem numerosos grupos entre os dois extremos, esta classificação apresenta as mesmas carências que caracterizavam os alquimistas dos tempos antigos. É demasiado simplista dividir todas as possibilidades da condição humana unicamente em duas categorias, assim como é quase impossível classificar de maneira adequada todos os comentários acerca das práticas alquímicas aparecidas ao longo da história. Será esta a razão por que é tão difícil compreender o significado dos escritos alquímicos, mesmo sabendo que estão na origem do que chamamos atualmente de química, ciência importante e muito precisa? A resposta se encontra na complexidade do tema. Para cada elemento descrito em uma mandala alquímica ou mencionado em uma fórmula, encontramos numerosos sinônimos visuais. Elaborar uma lista poderia simplificar a tarefa, mas em seguida descobrimos que cada símbolo tem muitos significados. O problema reside então em conceder a cada um seu sentido apropriado. Quem conhece as obras de Carl Gustav Jung e de Joseph Campbell sabe que é sempre difícil classificar as diferentes maneiras de interpretar os símbolos. Afortunadamente, no passado cada alquimista utilizava em geral somente uma ou duas combinações de símbolos e de significado, o que simplifica relativamente nossa tarefa de classificá-los e de esclarecer seu significado. Não obstante, os diagramas alquímicos podem ser interpretados de diferentes maneiras. O símbolo que vamos examinar será desde uma perspectiva Rosacruz.

Maria Profetisa, conhecida também como irmã de Moisés e por outros nomes, é equiparada pelos Rosacruzes com a “Maria” da Tradição Gnóstica. Diz-se que é a autora de um tratado intitulado Practica Mariae Prophetessae in artem alchemicam, ainda que na realidade é mais provável que ele seja de origem árabe. A obra foi consultada por muitos alquimistas, entre os quais se encontrava Michael Maier, que a apresenta como título de página no frontispício de sua obra publicada em 1617, Symbol Aurae Mesae

Na ilustração, Maria mostra uma planta cujas sementes caíram sobre o cume da Montanha Cósmica. Os esforços requeridos para a ascensão da montanha serviram possivelmente de inspiração aos antigos para compará-los com o forno em que está concentrada a energia necessária para levar ao êxito o processo da transformação alquímica. Apontam que o pico da montanha é o lugar da Pedra Filosofal. A vida, surgida das sementes, faz com que brotem cinco flores sobre a montanha Cósmica, sendo estas cinco flores símbolo do renascimento da vida segundo cada estação.

Examinaremos a flor adiante, quando veremos o significado deste símbolo. No momento, vamos considerar a razão do número de flores ser cinco. Cinco é o número da humanidade, simbolizando esta figura uma atividade de renovação recomendada pelo autor. Por que é o cinco o número da humanidade? Para compreender, convém relembrar um dos esquemas mais importantes de Leonardo da Vinci que representa um homem inscrito em um círculo no qual toca em cinco pontos com a cabeça, as mãos e os pés. Da mesma maneira os cinco sentidos, os cinco dedos das mãos e dos pés, põem em evidência esta atribuição simbólica do número cinco. A rosa de cinco pétalas no centro da cruz de quatro braços simbolizava para os hermetistas a quintessência, algo que é superior aos quatro elementos primordiais representados pelos braços da cruz. Por outro lado, e ainda que esta interpretação não seja necessariamente a dos alquimistas, para certos filósofos místicos o número cinco teria um sentido sinistro, inclusive demoníaco. Este conceito provém de uma explicação cabalística onde se relaciona ao cinco com os cinco dias de vazio que necessitavam os antigos egípcios para sincronizar seu calendário de 360 dias ao ano solar que está mais próximo dos 365 dias.

Segundo a interpretação rosacruz da gravura que estamos analisando, as duas urnas simbolizam respectivamente o ar e a terra, dois elementos primordiais de onde todas as coisas extraem sua existência. Os dois elementos se mesclam e se unem conforme ilustrado pelo princípio que diz que “tudo o que está em cima é como o que está em baixo”, proferindo Maria um dos princípios alquímicos que concernem à unidade e à dualidade: “o Um se converte em Dois, o Dois se converte em Três, e do Três provém o Um que é o quarto”. Este axioma, que reformula a Criação bíblica utilizando os temos mágico-religiosos da alquimia, pode ser interpretado de muitas maneiras. Esta interpretação significa que o leitor deverá observar que nos sistemas rosacruzes que explicam o simbolismo dos números, os pares são considerados femininos e aos ímpares masculinos. Além disso, a linguagem alquímica dos arcanos apresenta outro nível de sentido que é o que vamos aprofundar agora.

Maria Profetisa se refere à combinação dos dois aspectos de uma substância única e especial. Ela disse: “Toma a goma de Espanha, a goma branca e a goma rubra e junta as duas em um verdadeiro matrimônio, a goma com a goma”. Qual é o sentido destas palavras? Obtemos uma indicação pela cor das substâncias que menciona, pois se trata da “rainha branca” e do “rei rubro” alquímicos. Por outro lado, o símbolo alquímico da goma é de uma estranha combinação das pequenas letras que se assemelham ao “g” do nosso alfabeto moderno, escritas uma ao lado da outra e religadas por uma pequena cruz da qual fica suspenso um pequeno triângulo. Este símbolo põe em evidência o processo alquímico com o qual deveremos nos familiarizar se queremos decodificar a ilustração.

O sentido alegórico escondido no desenho é reforçado pela forma dada à nuvens de vapor que escapam de ambos os vasos. Pode ser vista a união dos dois triângulos equiláteros, um apontado para o céu e o outro apontando para a terra. O triângulo superior representa o fogo, elemento masculino, enquanto o triângulo inferior nos encaminha à água, ao feminino e aos aspectos nutritivos. Quando o alquimista é capaz de obter o casamento correto destes dois elementos primordiais, estes dão nascimento à cor rubra, simbolizada pela rosa alquímica, o que nos é revelado pelas duas correntes de vapor branco sob a forma de dois triângulos.

Em algumas gravuras que ilustram este processo, a rosa resultante apresenta uma fila de pétalas exteriores vermelhas e outro plano interior de pétalas brancas. No caso que nos ocupa, a cor branca está representada pelos vapores que se desprendem de cada um dos lados do cadinho em direção ao seu oposto. A rosa vermelha era o símbolo alquímico da realização com êxito da “Grande Obra” que produzia, no final, a Pedra Filosofal. E é em parte a causa desta união que a rosa que adorna a Cruz Rosacruz é vermelha e não de outra cor alegórica.

Que conclusões úteis podemos extrair deste conjunto de símbolos em nossos estudos rosacruzes? Toda a parte direita da ilustração é relativa a representações ligadas ao homem vestido de vermelho e à mulher coberta de branco. Simbolicamente, não pode ser alcançada a rosa vermelha da realização até que não seja levantado o véu branco. Os dois vãos ou cadinhos, que representam os vasos de Hermes e cumprem o objetivo de receptáculos dos elementos necessários para a criação. Eles simbolizam a natureza dual que está presente em cada um de nós. Uma vez separados, revelam a penúltima etapa do processo de transformação. Maria, que personifica a sabedoria dos tempos passados, mostra o que agora é evidente, saber que em todo ser humano coexiste um aspecto dos dois opostos. Devemos conseguir que estes aspectos formem um equilíbrio em que se completem e forme um conjunto harmonioso. Uma vez conseguido este estado, todo indivíduo pode alcançar o que quiser. Efetivamente, alcançar este estado de beatitude é ter conseguido a maestria sobre a Pedra Filosofal. Este era o objetivo dos alquimistas simbólicos do passado e a finalidade dos rosacruzes de nossos dias.

* Peter Bindon é Grande Mestre da Jurisdição de Língua Inglesa para Australásia e Oceania.



FONTE: BINDON, Peter. Maria profetisa. In O Rosacruz. n. 265. 3. Trimestre 2008. Curitiba: AMORC, 2008. p. 19-21.

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